«O rio quebra-se sobre mim.
Sob os meus pés toda uma cidade submersa.
Um figo bóia junto a mim,
apoiada na pedra morta. O figo sobrepõe-se aos telhados das casas.
Os chorões lançam os seus braços em queda.
Por instantes tocam a água doce.
As paredes gritam vidas passadas e falsas promessas,
do fundo. Quase as ouço
Mas a corrente fala mais alto e empurra-as numa profundidade penosa.
Vai-lhes corroendo o cimento estrutural,
a madeira das portas.
Já nem as janelas se abrem.
Foram histórias esquecidas,
em livros fechados num suposto eterno.

Um barco passou.
O rio tremeu.
O tronco flutuante gemeu.
Algum pedaço de tinta se deslocou de algum tecto. Mas nem esse emergiu.
Deixou-se pousar no chão não visível.
Já não interessa o seu passado.
Os dedos sujos que lhe tocaram.
O candeeiro que o iluminou.
Os olhares vidrados para que as lágrimas não escorressem.
Já não interessa o seu passado.
O momento é feito de formigas a acasalarem na minha mão.»

2006.
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