Todas as noites se ouvem alarmes. Sirenes. Gritos. Estrondos que me levantam da cama. Ontem, berravam golo e parecia que estavam comigo no quarto. “Vafanculo” quando falhavam e ainda pareciam mais cá. A máquina de lavar da vizinha trabalha a noite toda. No início, acordava-me de madrugada fula, mas agora já me embala. Nunca vi a vizinha. Só vejo a máquina no piso em baixo, quando vou fumar à pequena varanda que dá para o saguão do prédio velho. Há uns dias, vi um rato na cozinha e, dessa vez, quem gritou fui eu.

Ao caminhar na rua, não se consegue falar. As motas rosnam e os carros rugem – as suas buzinas entram pelo cérebro dentro sem pedir licença. Os bombeiros e as ambulâncias, frequentes, atingem decibéis incríveis. Vamos tentando falar uns com os outros, franzindo as sobrancelhas, como se isso despertasse mais os ouvidos. Ainda não percebi se são as motas e os carros e os bombeiros e as ambulâncias que soam todos mais alto do que aquilo que conheço, ou se são estas ruas que fazem os sons vibrarem mais.

Em Danisinni cada um dos putos fala mais alto do que o outro. Vão subindo a pirâmide sem topo – ali não há topos de nada – e, quando chegam os pais e os professores, a escalada não tem fim. A televisão da sala de aula grita tão alto que não me deixa perceber uma palavra do filme dobrado. Os baixos todos estourados. Os actores que fazem as vozes também gritam mais do que os originais. Na rua onde vivo, alguém berra “NONNA NONNA!”. Pausa. Passado um bocado, “NONNA NONNA NONNA!”. E repete-se por uns bons 10 minutos, até que decide tocar à campainha. Às vezes não é a nonna, é o Francesco ou a Roberta. Apri la porta! Scendi! Vieni qua! Andiamo! Dai! Bò! Ma che cazzo fai?! Quando falam siciliano, ainda gritam mais – vem-lhes mesmo do sangue – mas, aí, eu já não os entendo.

Ecoam os sons todos nas paredes da cidade, do meu quarto e da minha cabeça. Ecoam todos e amalgamam-se todos. As motas e os carros, os bombeiros e as ambulâncias, os putos e os professores, a nonna e o neto cá em baixo, os vendedores e os compradores, todos misturados, todos como um só: o grito desta cidade.


[Gosto tanto de silêncio e dos olhos fechados. Mas a cidade, para me chatear, não se cala. Não pára nunca. Grito contigo, então.]

Palermo, 2013.
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