«Hoje, encontrei as "Iluminações" de Rimbaud numa livraria-alfarrabista, às dez e meia, meia hora depois de abrir, eu que chego sempre aos alfarrabistas meia hora depois de fecharem. Encontrei-a por acaso, ao desviar os olhos de um grupo de jovens rapazes da guarda nacional – a farda nova e polida sem histórias para contar, a não ser das raparigas novas que se vêem à noite na capital. Entrei e perguntei por ele, já adivinhando a resposta negativa. Mas não adivinhei, afinal. O rapaz do balcão, sem olhar uma vez para mim, tinha exactamente o que queria. Sorri honesta e disse três ou quatro frases feitas daquelas que odeio. Embaraçada, paguei, enquanto ele me guardava o livro num saco de papel como o do pão. A forma como deixou cair o livro no seu fundo, fez com que eu guardasse o saco o tempo que aquela paixão platónica durou. Saí, preferindo ser bonita do que ler Rimbaud. Rimbaud não o fez levantar os olhos, mas a beleza tê-lo-ia feito.

Desculpa-me, Rimbaud, mas acho que me compreenderias. A verdade é que agora te tenho só a ti e não me arrependo. Quando me apetecer, volto a deixar cair o teu livro no fundo do saco de papel como o do pão, só para me lembrar das outras histórias que os livros trazem com eles.
Até o saco rasgar.»

2012.









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